Acordo entre construtoras e governo pode ter efeito limitado para consumidor
02/05/2016
"Acordo para
inglês ver" ou "carta de intenções para melhorar o
mercado"? Não há meio termo quando se trata do recente acordo
firmado entre entidades do governo, Justiça e representantes do
setor imobiliário. O entendimento cria regras para questões
polêmicas, como as multas por atraso de obras ou pela devolução de
imóveis comprados na planta (distrato). Algumas taxas controversas,
como a de corretagem, também ganharam regulação.
Qualquer que seja o
time do interlocutor, a conclusão é que o tratado é o primeiro
passo para tentar regular práticas do setor. O documento não tem a
mesma força de uma lei, mas quer reduzir o excesso de ações
judiciais.
Do lado do governo,
a diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor
(DPDC), Lorena Tavares, vê a medida como uma forma de agilizar o
processo de devolução de imóveis. "Precisávamos mitigar os
prejuízos das empresas com os distratos, ainda mais no atual
contexto econômico".
Mas ela não isenta
as incorporadoras da parcela de culpa que lhes cabe. "As
irregularidades dos contratos que estão aí na rua contribuíram
para as decisões na Justiça que dão amplo direito de ressarcimento
aos consumidores", afirma.
Em 2015, os
distratos representaram 46% das vendas de imóveis, ou 50 mil
unidades, segundo a Associação Brasileira de Incorporadoras
(Abrainc), que reúne 19 empresas do setor.
Entidades de defesa
do consumidor e advogados veem o acordo com desconfiança ou, quando
muito, com efeito limitado.
Marcelo
Tapai, sócio do Tapai
Advogados, que tem esses consumidores como os
principais clientes, critica o texto e diz que ele representa um
retrocesso em relação ao que já tem sido decidido na Justiça.
Lorena, do DPDC,
argumenta que é esperada uma melhora do nível dos contratos e
redução de cobranças ilegais. No caso dos distratos, por exemplo,
ela diz que o ressarcimento ao consumidor não precisará ser tão
vantajoso como hoje.
Rossana Fernandes
Duarte, sócia do escritório Mattos Filho, com destacada atuação
no ramo empresarial, diz ter dúvidas sobre a eficácia do documento.
Mas considera que, ao menos, os atritos podem diminuir. "Vejo
potencial para tornar os consumidores mais conscientes e os
empreendedores mais responsáveis", diz.
Para Rossana, o
impacto no curto prazo, se ocorrer, será mais sentido no Rio de
Janeiro, já que o Tribunal de Justiça do Estado é signatário do
acordo. O desembargador Werson Rêgo, do T-RJ, participou das
discussões. Ele rebate as críticas e diz que há mais condições
favoráveis ao consumidor do que desfavoráveis. "Agora temos
uma regra clara, pode não ser melhor do que algumas
decisões judiciais, mas certamente não é pior", afirma.
Ele reconhece, porém, que a questão do distrato é polêmica.
Marco Aurélio Luz,
presidente da Associação de Mutuários de São Paulo (Amspa), vê o
acordo com ressalvas. "Se funcionar e permitir a devolução de
valores pagos por fora, como taxa de corretagem, pode ser bom",
diz.
O que muda nos
financiamentos?
1. O que é o
acordo? É um entendimento entre governo, Justiça e entidades
representativas do setor imobiliário para definir regras dos
financiamentos e diminuir as ações judiciais.
2. Qual a
abrangência? A abrangência é nacional, mas o acordo não tem força
de lei. Logo, só as entidades associadas se comprometem a seguir o
que foi estabelecido. São elas: Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro; Ordem dos Advogados do Brasil; Associação
Brasileira das Incorporadoras; Câmara Brasileira da Indústria da
Construção; Associação Brasileira dos Advogados do Mercado
Imobiliário; e Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado
Imobiliário. Se houver descumprimento, a empresa terá de pagar
multa de R$ 10 mil por contrato.
3. Qual é a
validade? A aplicação é imediata, mas não retroativa. As ações
judiciais em andamento, por exemplo, não devem sofrer qualquer
alteração.
4. Quais são os
destaques? Dois pontos polêmicos - multa em caso de atraso nas obras
e multa por desistência de compra (distrato) - foram regulados. Para
os atrasos, ficou estabelecido um ressarcimento mensal ao consumidor
de 0,25% do valor pago caso a entrega da obra fique dentro do chamado
prazo de tolerância (180 dias além da data estipulada em contrato).
Se atrasar mais, começa a ser cobrado da construtora, a partir do
181º dia, uma multa mensal de 2% sobre o valor pago, mais juros de
1%, também sobre esse montante. Para o distrato, foram estabelecidas
duas opções, cuja escolha fica a critério da construtora. A
primeira tem multa de 10% do valor total do imóvel. Mesmo entre os
elaboradores do projeto, essa opção é reconhecida como mais
favorável às incorporadoras. "Como não chegamos a um acordo,
colocamos as opções defendidas tanto pelas incorporadoras como
pelas entidades de defesa do consumidor", diz Werson Rêgo, do
TJ-RJ. Já a segunda estabelece a perda do sinal mais a retenção de
20% do valor já pago.
5. E a taxa de
corretagem? A taxa só poderá ser cobrada se estiver explícita no
material publicitário ou na documentação do imóvel. A cobrança
deve ser deduzida do valor do bem. Exemplo: na compra de um imóvel
de R$ 100 mil, com uma taxa de corretagem de R$ 5 mil, o saldo
restante é de R$ 95 mil.
6. E as outras
taxas? O acordo diz que é irregular cobrar as taxas de assessoria
técnic-imobiliária (SATI), de decoração de condomínio e a
chamada taxa de deslocamento, paga à instituição financiadora da
obra. Já a cobrança de condomínio só pode ser feita após a
expedição do Habite-se.
7. Como ficou a
garantia? A garantia pelos chamados vícios de qualidade, como portas
ou janelas que não funcionam, passa de 90 dias para 5 anos. Já a
cobertura para defeitos de segurança, como em sistemas hidráulicos,
aumentou de 5 para 20 anos.
Por
Hugo Passarelli
Fonte:
Estadão